O que é um ecomuseu?

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As bases conceituais da Museologia estruturadas a partir do pós-guerra pelo Conselho Internacional de Museus - ICOM, criado em 1946, e pelos estudos desenvolvidos em Museologia e Patrimônio nos países do leste europeu durante as décadas de 50 e 60 do século XX, auxiliaram no desenvolvimento de diversas classificações para os museus existentes e também os que iam se desenvolvendo. A continuidade destes estudos, gestados no ICOM a partir dos anos 1980, principalmente em seu Comitê Internacional para a Museologia – ICOFOM, possibilitaram a identificação de três modelos conceituais de museus:

  1. Museu Tradicional: modelo de museu que opera processos de musealização ex-situ, ou seja, o objeto musealizado é apartado da sua realidade funcional e elevado à instância representacional no museu. Este modelo subdivide-se em: Museu Tradicional Ortodoxo (o mais conhecido modelo de museu, um prédio que abriga coleções de arte, história, ciências, etc.) e Museu Tradicional com Coleções Vivas (jardins botânicos, jardins zoológicos, aquários, vivários, biodomos, etc.).
  2. Museu de Território: modelo de museu que opera processos de musealização in-situ, ou seja, o objeto musealizado não é apartado do seu contexto de ambiência, mas todo o ambiente/ território na integralidade são musealizados. Este modelo subdivide-se em: parques naturais, sítios musealizados, museus à céu aberto e ecomuseus. 
  3. Museu Virtual: modelo de museu que opera processos de musealização somente em ambiente virtual.
Esta estruturação, que vem sendo defendida desde a década de 90 do século XX pela teórica brasileira Tereza Scheiner, tem sido uma importante via conceitual para o entendimento dos museus na contemporaneidade. Assim, se considerarmos os ecomuseus como uma categoria de Museu de Território que opera musealização in-situ, para determinar o cenário no qual eles aparecem, é necessário traçar uma breve história ou apresentar alguns fatos. 

Pode-se considerar a origem do processo de musealização in-situ durante o final do século XVIII com a idéia de alguns europeus de criar museus de “tipo especial” contendo construções camponesas inseridas em um parque. Posteriormente este processo evolui com a abertura dos Parques Nacionais no Reino Unido durante o século XIX. Norteados pela preocupação com a preservação das áreas verdes do seu território no auge da Revolução Industrial, os Parques Nacionais britânicos influenciaram o surgimento de modelos idênticos em diversos lugares do mundo. A partir daí, ainda durante o século XIX, outra tipologia de Museu de Território irá surgir, tendo estreita relação com o que mais tarde irá se chamar de ecomuseu. São os Museus a Céu Aberto.

O primeiro museu pensado segundo este conceito foi o Nordiska Museet, aberto em 1873 em Estocolmo, Suécia. Este, pretendia-se um museu da civilização nórdica e suas tradições, estendendo-se por uma grande área do país e possuindo diversas sedes. Mais tarde, em 1891, ainda na Suécia, abre-se o Skansen Museum. Trata-se de uma espécie de parque onde podem ser vistas construções de diversos períodos históricos da Suécia. Estes, espalhados por um grande jardim botânico e zoológico. 

Em 1895 é fundado o Norsk Folkemuseum em Oslo, Noruega. Baseado na noção mais própria do termo folclore, este Museu a Céu Aberto apresentava as “coisas do povo”, ou seja, a tradição popular, os costumes e hábitos, e as técnicas tradicionais dos noruegueses. Não podendo enquadrar-se como Museu de Território e, assim, operando musealizações ex-situ, mas sem menor importância para entender o cenário que possibilita o surgimento dos ecomuseus, estão os museus de folclore e outros Museus Tradicionais Ortodoxos ligados às práticas populares do país ou do território local como:

  • Musée de l’Homme ou Musée d’Ethnographie du Trocadero, fundado em 1878 em Paris, França.
  • Os Heimatmuseum, fundados em diversas partes da Alemanha durante o entreguerras com a intenção de valorização do patrimônio local e das práticas tradicionais populares.
Todas estas experiências descritas anteriormente e processadas no âmbito dos museus possibilitaram a elaboração por Georges Henri Rivière da definição de ecomuseu, pautado nas seguintes questões: preocupação com o patrimônio natural, redução da descontextualização das referências culturais por meio da musealização in-situ e valorização da cultura popular.  Segundo Jean Clair, é a partir de 1936 que o museólogo francês começa a desenvolver o modelo de museu que mais tarde seria nomeado por Hugues de Varine de ecomuseu.

No pensamento de Georges Henri Rivière:

Um ecomuseu é um instrumento que um poder e uma população concebem, fabricam e exploram juntos. Este poder, com os especialistas, os recursos que ele fornece. Esta população, segundo suas aspirações, seus saberes, suas faculdades de escolha. Um espelho no qual esta população se olha para se reconhecer, no qual ela procura uma explicação para o território ao qual ela está unida, junto àquela população que a precedeu, na descontinuidade ou na continuidade das gerações. Um espelho que esta população tem às suas ordens para melhor se conhecer, com respeito ao seu trabalho, seus comportamentos, sua intimidade. Uma expressão do homem e da natureza. O homem aí é interpretado no seu meio natural. A natureza o é na sua selvageria, mas também como uma sociedade tradicional e a sociedade industrial que são aplicadas à sua imagem. Uma expressão do tempo, quando a explicação remonta o início dos tempos quando o homem apareceu, seu estágio através dos tempos pré-históricos e históricos que ele viveu, relacionado com o tempo que ele vive. Com uma abertura para o tempo de amanhã, sem que, por outro lado, o ecomuseu se coloque como fabricante de sentidos, mas, ao contrário, desempenhe um papel informacional e de análise crítica. Uma interpretação do espaço. Espaços privilegiados, onde se para a observar, onde se caminha. Um laboratório na medida em que ele contribui para o estudo histórico e contemporâneo dessa população e de seu meio e favorece a formação de especialistas nestas áreas, em cooperação com organizações externas de pesquisa. Um conservatório na medida em que ele ajuda na preservação e na valorização do patrimônio natural e cultural dessa população. Uma escola, na medida em que associa essa população à suas ações de estudo e pesquisa, nas quais ele incita a melhor compreender os problemas do seu próprio futuro. Este laboratório, este conservatório, esta escola se inspiram de princípios comuns. A cultura na qual eles estão inseridos é entendida em seu sentido mais abrangente, e eles se preocupam em tornar conhecida a dignidade e a expressão artística, de qualquer parte da população da qual emanem as manifestações. A diversidade aí é ilimitada, mesmo os dados diferindo de um lugar para outro. Eles não se fecham em si mesmos, eles recebem e dão. (RIVIÈRE, 1980, p. 443-445, grifo nosso, tradução Felipe Carvalho).

Pela definição é possível perceber toda a gigantesca gama de ações a que se propõe um ecomuseu. Talvez por isso, sua gestão e sua consolidação tenham sido até hoje tão difíceis. Um dos ecomuseus pioneiros, fundado em 1974 com a participação de Georges Henri Rivière, Marcel Évrard, Mathilde Bellaigue e Hugues de Varine foi o Écomusée du Creusot-Montceau-les-Mines, na França, numa região industrial da Borgonha de produção de vidros, cristais e aço. A partir daí, espalharam-se pelo mundo, estando presentes em todos os continentes e em diversos países.

Saiba mais

CLAIR, Jean. Les origines de la notion d’écomusée. In: WASSERMAN, F. (Ed.) Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. v. 1 M.N.E.S., 1992, p. 433-439.

ÉVRARD, Marcel. L’écomusée: saisie de la durée, expressiontransitoire de l’identité. In: WASSERMAN, F. (Ed.) Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. v. 1. M.N.E.S., 1992, p. 488-493.

GUANG, Song Xiang. How the theory and pratice of ecomuseums enrich general museology. In: Comunication and Exploration. Trentino : Trentino Cultura, 2005, p. 37-42.

KINARD, John. Intermédiaires entre musée et communauté. In: WASSERMAN, F. (Ed.) Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. v. 1. M.N.E.S., 1992, p. 99-108.

MAURE,  Marc. Ecomuseums: a mirror, a window or a show-case? In: Comunication and Exploration. Trentino : Trentino Cultura, 2005, p. 69-72.

RIVIÈRE, Georges Henri. L’Écomusée, un modèle évolutif. In: WASSERMAN, F. (Ed.) Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. v. 1 M.N.E.S., 1992, p. 440-445.

SCHEINER, Tereza. Musée et muséologie: définitions em cours. In: MAIRESSE, François; DESVALLÉES, André. Vers une redéfinition du musée ? Paris : L’Harmattan, 2007, p.147-165. 

___________. Réflechir sur le Champ Muséal : significations et impact théorique de la Musélogie. In: 37th Annual ICOFOM Symposium, 2014, Paris. New Tendences of Museology. Paris, ICOFOM. (no prelo).

SOARES, Bruno Brulon. Quando o museu abre portas e janelas : o reencontro com o humano no museu contemporâneo. 2008. 163 p. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em : http://ppg-pmus.mast.br/dissertacoes/bruno_c_brulon_soares.pdf 

VARINE, Hugues. L’écomusé. In: WASSERMAN, F. (Ed.) Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie. v. 1. M.N.E.S., 1992, p. 446-487.